Berlim, I love you...
mas todo burburinho da chamada “Wende” (em port.: mudança, transição) estava ainda bem fresquinho. Ainda pude arrancar pedaços do muro e sempre que os vejo por aqui nas lojas de souvenires penso comigo que não podem ser verdadeiros, enquanto os meus guardados lá na casa de mainha, são de verdade verdadeira!
Eu tinha passado o ano anterior, 1988, todo aqui, como estudante de alemão, podendo então visitar a Berlim Oriental. Para tanto, tive que atravessar a fronteira estabelecida pelo muro e confesso ter sido uma dos passeios mais interessantes da minha vida. Senti-me num filme daqueles em preto e branco, tipo de guerra mesmo, com aqueles soldados austeros controlando-nos como se fossemos criminosos em vez de simples turistas, desejando passar apenas algumas horas na cidade, conforme tivemos obviamente que declarar. Estávamos, meu então namorado alemão e eu, com 100 marcos ocidentais e ao trocarmos recebemos grana suficiente para passarmos um dia de luxo e requinte, o que aproveitamos com máximo prazer.
Não recordo exatamente quanto foi o câmbio da época, mas fato é que iniciamos nossa tour na Alexander Platz, centro de compra mais conhecido na então capital da Alemanha Oriental. Qual não foi a nossa decepção ao ver nas lojas tantas quinquilharias, não sabíamos se era para rir ou chorar com tanto atraso. Os aparelhos de tv e outros eletrônicos despertavam pena, de tão ultrapassados. Sem comprar nada, frustrados, fomos apreciar a gastronomia local e montados na grana for "one day" fomos a um restaurante de um hotel cinco estrelas, também próximo a praça do Alexanderplatz. Aff! Tiramos a barriga da miséria, como se diz, que show, com direito a garçom grelhando e flambando na mesa, senti-me a verdadeira Tieta do Agreste, exibidésima! Depois de mais um passeio ainda na mesma zona resolvemos quebrar a rotina - até porque nossas barrigas não cabiam mais nada por uns dois dias- chamando um taxista para fazer um tour pela cidade, mas nos lugares realmente paupérrimos , enfim nas zonas mais afastadas e por conseguinte mais relegadas e detonadas. Pagamos para isto o equivalente a vinte DM (mais ou menos dez euros) e ele quase nos beijou os pés, confessando que este valor ele conseguia em uma semana ou mais de trabalho.
Resumindo, a cidade era horrível, muitas casas arruinadas, um aspecto desagradável, não pela sujeira, mas a sensação angustiante de enclausuramento mesmo. Assim, angustiados, encerramos nosso dia, aliviados com o retorno ao ocidente. Quase um ano depois, se via nas tvs do mundo inteiro , de ambos os lados do muro, nas ruas, o povo festejando a queda do muro da vergonha e o fim daquele regime. Ainda pude ver as filas gigantes de alemães orientais para pegarem o chamado dinheiro ou bônus de boas vindas (em alemão: Begruessungsgeld), acho que cem marcos por pessoa, distribuído pelo governo.
Outra coisa que ficou guardada: o desespero do consumo - os chamados “ossis”, alemães orientais, depenaram os supermercados, comprando tudo, imaginem chegar ao mercado, como ALDI , Plus (redes mais baratas) e não se achar NADA , doces, chocolates, bebidas e outros artigos chamados supérfluos eram vendidos como água. Do jeito que alemão adora reclamar, era um inferno, ter de procurar um supermercado, geralmente os mais longes das fronteiras, para poder se encontrar tudo e não ter que enfrentar filas enormes, exageradas, ate para os padrões brasileiros, onde se diz que o povo “adora uma fila”...rsrsrrs . Mas tudo isto já faz 20 anos, como o tempo passa , parece ontem e eu fui ficando por aqui e aprendendo sem dificuldades a adorar esta cidade, sem muro, sem fronteiras, pelo menos geográficas, visto que os alemães de ambos os lados precisaram de um bom tempo para se reunificarem no âmbito sociocultural.
Nós - estrangeiros - quem sabe instintivamente, mantivemo-nos fora das discussões que envolviam as diferenças sociais, culturais e até psicológicas entre alemães orientais e ocidentais. Certamente se houvesse Orkut naquela época íamos ter nossas plataformas de discussões garantidas! As comunidades “brasileiros em Berlim” e “brasileiros na Alemanha” iam arrasar ...hehehehhe
De vez em quando, ainda trazem à tona o tema da reunificação social, por assim dizer, mas eu prefiro me abster, no momento, de grandes comentários a respeito, pois o tema já seria abrangente o suficiente para outros textos. Acredito na versão de que os ossis não nos viam com bons olhos, tiveram ciúmes achando que viemos ocupar o lugar deles. Duas décadas depois, muita coisa mudou, os alemães se acostumaram com as próprias diferenças, as discussões a respeito diminuíram e eu quando indagada sobre este lance de ossi e wessi , prefiro manter a diplomacia , até porque também aprendi a me situar, a entender as culturas com suas peculiaridades e, sobretudo, tentar aprender algo com as mesmas. Além disso, tenho também alguns amigos ossis, super-simpáticos e abertos a outras culturas, nunca me senti discriminada, embora consciente das dificuldades do ser estrangeiro por aqui e provavelmente em qualquer canto do mundo.
Sempre morei no lado ocidental de Berlim e agora minha filha está frequentando a Escola Européia de Berlim, situada na antiga parte oriental, levando-me assim a me familiarizar com a área, que antes me despertava certo mal-estar. Também na parte oriental temos os melhores bares e pubs da cidade, muito deles brasileiros inclusive. A vida noturna lá ficou bem mais interessante do que na parte ocidental. Assim, vou curtindo minha segunda pátria; não me imagino morando em outro lugar da Alemanha . Embora preocupada com a crise econômica e o desemprego que se alojou por aqui, continuo me sentindo bem, sabendo que no final das contas eles- ossis e wessis- são brancos e vão acabar sempre se entendendo.
Não recordo exatamente quanto foi o câmbio da época, mas fato é que iniciamos nossa tour na Alexander Platz, centro de compra mais conhecido na então capital da Alemanha Oriental. Qual não foi a nossa decepção ao ver nas lojas tantas quinquilharias, não sabíamos se era para rir ou chorar com tanto atraso. Os aparelhos de tv e outros eletrônicos despertavam pena, de tão ultrapassados. Sem comprar nada, frustrados, fomos apreciar a gastronomia local e montados na grana for "one day" fomos a um restaurante de um hotel cinco estrelas, também próximo a praça do Alexanderplatz. Aff! Tiramos a barriga da miséria, como se diz, que show, com direito a garçom grelhando e flambando na mesa, senti-me a verdadeira Tieta do Agreste, exibidésima! Depois de mais um passeio ainda na mesma zona resolvemos quebrar a rotina - até porque nossas barrigas não cabiam mais nada por uns dois dias- chamando um taxista para fazer um tour pela cidade, mas nos lugares realmente paupérrimos , enfim nas zonas mais afastadas e por conseguinte mais relegadas e detonadas. Pagamos para isto o equivalente a vinte DM (mais ou menos dez euros) e ele quase nos beijou os pés, confessando que este valor ele conseguia em uma semana ou mais de trabalho.
Resumindo, a cidade era horrível, muitas casas arruinadas, um aspecto desagradável, não pela sujeira, mas a sensação angustiante de enclausuramento mesmo. Assim, angustiados, encerramos nosso dia, aliviados com o retorno ao ocidente. Quase um ano depois, se via nas tvs do mundo inteiro , de ambos os lados do muro, nas ruas, o povo festejando a queda do muro da vergonha e o fim daquele regime. Ainda pude ver as filas gigantes de alemães orientais para pegarem o chamado dinheiro ou bônus de boas vindas (em alemão: Begruessungsgeld), acho que cem marcos por pessoa, distribuído pelo governo.
Outra coisa que ficou guardada: o desespero do consumo - os chamados “ossis”, alemães orientais, depenaram os supermercados, comprando tudo, imaginem chegar ao mercado, como ALDI , Plus (redes mais baratas) e não se achar NADA , doces, chocolates, bebidas e outros artigos chamados supérfluos eram vendidos como água. Do jeito que alemão adora reclamar, era um inferno, ter de procurar um supermercado, geralmente os mais longes das fronteiras, para poder se encontrar tudo e não ter que enfrentar filas enormes, exageradas, ate para os padrões brasileiros, onde se diz que o povo “adora uma fila”...rsrsrrs . Mas tudo isto já faz 20 anos, como o tempo passa , parece ontem e eu fui ficando por aqui e aprendendo sem dificuldades a adorar esta cidade, sem muro, sem fronteiras, pelo menos geográficas, visto que os alemães de ambos os lados precisaram de um bom tempo para se reunificarem no âmbito sociocultural.
Nós - estrangeiros - quem sabe instintivamente, mantivemo-nos fora das discussões que envolviam as diferenças sociais, culturais e até psicológicas entre alemães orientais e ocidentais. Certamente se houvesse Orkut naquela época íamos ter nossas plataformas de discussões garantidas! As comunidades “brasileiros em Berlim” e “brasileiros na Alemanha” iam arrasar ...hehehehhe
De vez em quando, ainda trazem à tona o tema da reunificação social, por assim dizer, mas eu prefiro me abster, no momento, de grandes comentários a respeito, pois o tema já seria abrangente o suficiente para outros textos. Acredito na versão de que os ossis não nos viam com bons olhos, tiveram ciúmes achando que viemos ocupar o lugar deles. Duas décadas depois, muita coisa mudou, os alemães se acostumaram com as próprias diferenças, as discussões a respeito diminuíram e eu quando indagada sobre este lance de ossi e wessi , prefiro manter a diplomacia , até porque também aprendi a me situar, a entender as culturas com suas peculiaridades e, sobretudo, tentar aprender algo com as mesmas. Além disso, tenho também alguns amigos ossis, super-simpáticos e abertos a outras culturas, nunca me senti discriminada, embora consciente das dificuldades do ser estrangeiro por aqui e provavelmente em qualquer canto do mundo.
Sempre morei no lado ocidental de Berlim e agora minha filha está frequentando a Escola Européia de Berlim, situada na antiga parte oriental, levando-me assim a me familiarizar com a área, que antes me despertava certo mal-estar. Também na parte oriental temos os melhores bares e pubs da cidade, muito deles brasileiros inclusive. A vida noturna lá ficou bem mais interessante do que na parte ocidental. Assim, vou curtindo minha segunda pátria; não me imagino morando em outro lugar da Alemanha . Embora preocupada com a crise econômica e o desemprego que se alojou por aqui, continuo me sentindo bem, sabendo que no final das contas eles- ossis e wessis- são brancos e vão acabar sempre se entendendo.
Copyright: Claudia Sampaio
Foto: Claudia Sampaio
Reprodução ou tradução: entre em contato com nosso portal.
A divulgação do LINK para este artigo está liberada.
Os temas e opiniões publicados nesta coluna são de responsabilidade DA AUTORA, não refletindo necessáriamente a opinião do portal Brasileiros-na-Alemanha.com e sua equipe.
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