I CLBNA - 3° Lugar / Crônicas
Choque cultural e desenvolvimento pessoal
Quando eu desembarquei no aeroporto de Frankfurt estava quase morrendo de tanta ansiedade. O medo do desconhecido, o fato de ter que ouvir diariamente uma língua que não me soava nada familiar, a insegurança de estar, pela primeira vez, tão longe dos meus entes queridos e de tudo aquilo que me dava uma sensação de acalento... Minha cabeça estava a mil com tudo isso! Eu, com meus poucos 16 anos, estava, por fim, completamente sozinha. Seria agora parte de uma família com a qual nunca havia sequer falado e teria que me inserir em uma realidade completamente distinta da que eu conheci durante toda a minha vida.
Durante as intermináveis 24 horas que passei viajando, fazendo escalas nos mais diversos aeroportos, eu me perguntei as razões que me haviam feito escolher aquela terra tão distante e diferente para passar aquele que deveria ser o melhor ano da minha vida. E a cada milha que o avião avançava, meu cora ção ficava mais apertado e a minha convicção de ter feito a escolha certa diminuia exponencialmente. Talvez eu devesse simplesmente ter escutado todos aqueles que me disseram que era loucura ser uma intercambista no pais das salsichas.
Ao desembarcar, logo encontrei minha família hospedeira. E, para aumentar meu desespero, meus "novos pais" não foram de muitas palavras. No caminho para a casa, enquanto um silêncio constrangedor imperava no carro, meu único desejo era dar meia-volta e pegar o primeiro vôo para o Brasil. Para mim, a Alemanha já estava vista e era realmente tudo aquilo que as pessoas me disseram que seriam. E eu ainda tinha ido parar em uma vila com 1000 habitantes. Logo eu, uma típica cosmopolita, acostumada a tanto barulho e agito, tendo que gastar 20 minutos para chegar na escola.
Falando em escola, inicialmente ela era quase uma tortura pra mim. Ao contrário do que acontece quando um estrangeiro chega ao Brasil, ninguém me encheu de perguntas e atenção. Eu só me questionava como aguentaria passar um ano inteiro vivendo esta realidade, tendo que me levantar quando o professor entra na sala ou sendo obrigada a ficar 8 horas por dia na escola.
Mas os dias começaram a passar na minha nova vida. A base de muitas lágrimas, problemas com o alemão e dificuldades de fazer amigos, comecei a me adaptar a esta minha nova realidade. E, contrariando todas as minhas expectativas, passei a realmente apreciar este ritmo todo diferente de se viver. A minha cidade pacata, a segurança de poder ir ao colégio de bicicleta pelo meio da floresta, a maneira sem pressa com que se vive por aqui, o modo como eles sempre se preocupam com os mínimos detalhes para que tudo seja sempre correto, a tão importante pontualidade alem ã. Comecei a realmente sentir toda esta atmosfera de história e sofrimento, mas também sempre de muita luta e recomeço que o povo alemão emana.
Com a minha família e novos amigos da escola também só precisei de um pouco de tempo para começar a entender e respeitar esta maneira toda particular de demonstrar sentimentos. Por aqui, as palavras tem um peso diferente. Eu sou a típica latina, tenho sangue quente e sempre falo tudo que me vem à cabeça no calor do momento. Já nestas terras germânicas, tudo é mais ponderado, mais medido. Só se fala o que realmente se sente. Talvez seja difícil de compreender no início, mas definitivamente toda esta cautela não é sinônimo de frieza ou insensibilidade. Como é bom ir percebendo pouco a pouco os sentimentos que os alem ães nutrem por mim, seja vendo como minha família sempre repara as comidas que mais gosto para sempre comprar para mim, ou quando uma colega de classe, utilizando um dicionário Alem ão-Português, me escreve um bilhete com: "A gente ser bons amigos".
Quando a gente muda nossa ótica de vista das coisas, tudo se modifica. Simplesmente percebi que tinha todos os motivos do mundo para ser feliz por aqui e só não estava sendo porque havia colocado na minha cabeça que não conseguiria. Então, comecei a apreciar tudo pelo seu lado bom e as coisas come çaram a fluir. A cada conflito do famigerado choque cultural, eu passei a me divertir e não a me envergonhar ou entristecer. Os problemas com o idioma também deixaram de ser motivo de acanhamento e timidez para se tornar uma maneira de pedir ajuda e fazer amigos. Definitivamente a melhor coisa a fazer foi sorrir quando estávamos em um bar e eu fui pedir cerveja para todo mundo e acabei falando errado para o gar çom e as 10 pessoas da mesa tiveram que beber leite.
É lógico que os momentos difíceis ainda acontecem, quando tudo o que eu quero é a minha realidade brasileira. Mas estes instantes de tristeza também são parte fundamental do processo de aperfei çoamento pessoal pelo qual tenho a certeza de que estou passando. Com certeza aquela garota insegura que desembarcou por aqui não será a mesma que retornará ao Brasil. Este ano me fez mais segura de mim, mais crente nas minhas potencialidades e habilidades. Agora eu sei, que se consegui ser feliz em um ambiente que inicialmente me foi t ão inóspito, se consegui transpor os problemas com o idioma e fazer amigos completamente diferentes de mim, eu sou capaz de alcan çar todos os objetivos que traçar para a minha vida.
Meus horizontes agora estão cada vez mais amplos. Durante este ano pude conviver com outros intercambistas dos mais diversos países. E todos eles me ensinaram uma coisa fundamental: as diferen ças, ao contrário de serem motivos para afastamento, são maravilhosos pontos de convergência. Agora eu finalmente consigo entender o que o poeta queria dizer quando falou que todos somos um mas n ão somos os mesmo. O mundo, apesar da sua maravilhosa diversidade, tem na sua constituição básica a mesma fórmula: seres humanos. E somente o diálogo, a tolerância e a ajuda mútua s ão pontes seguras para transpor os abismos oriundos das nossas diferentes origens.
Morar em uma realidade tao distinta da minha me vez perceber o quanto eu ainda posso aperfeiçoar minha própria realidade, ajudou-me a enxergar o quanto meu país precisa que eu trabalhe por ele. Mostrou também que, enquanto eu mantiver sempre as primeiras impressões, eu nunca vou poder conhecer verdadeiramente tudo que as pessoas e os lugares têm para me mostrar. Adoro ler meu diário e ver as idéias iniciais que tive sobre minha cidade, minha família e minha escola. Melhor ainda é ver como estas impressões se modificaram. Sinto um misto de orgulho e alívio por não ter desistido enquanto as coisas não estavam saindo do jeito que eu imaginava.
E agora consegui superar tudo e estou quase indo de volta para casa. Somente quem foi um intercambista pode entender o qu ão paradoxal é este momento de retorno. A gente se divide completamente entre a maravilhosa sensação de rever todos aqueles que s ão a nossa base e a triste idéia de ter que abandonar esta rotina e as rela ções tã o maravilhosas que estabelecemos na nossa pátria hospedeira. Com certeza, ir embora daqui será muito mais difícil do que foi ir embora do Brasil. Porque quando deixei minha família e amigos eu sabia que iria voltar e que todos eles estariam lá, do jeito exato que os deixei: cheio de afeto e sorrisos. Já ao ir embora daqui sei que este tempo não voltará jamais. Mas o importante é o que realmente fica: os dias com a minha família hospedeira, as horas em que falamos sobre como era viver em um país dividido, ou quando meus avós relatam emocionados o peso que é ser contemporâneos de toda a crueldade do nazismo, os piqueniques com meus companheiros de classe. Essas lembran ças maravilhosas levarei comigo para sempre. Quando me perguntam se sou mais feliz aqui ou no Brasil, me sinto impossibilitada de responder a pergunta. São simplesmente realidades diferentes, cada uma com suas particularidades e pequenos prazeres, mas agora as duas já se fundiram e resultaram no que eu sou.
Uma porta enorme de possibilidades se abre para mim daqui para a frente. Sei que minha vida esta apenas começando, e adoro esta idéia. Acho que vou precisar da minha vida inteira para perceber o quanto a Alemanha me ensinou. Aprendi a ser responsável, tolerante, a sempre me expressar e mostrar minhas idéias. Antes de vir para cá era uma pessoa até mesmo um pouco apática e indiferente. Mas agora aprendi a tomar partido, a defender minhas posi ções, a me mostrar. Pode até soar clichê, mas dentro das tantas coisas maravilhosas que conheci (as pessoas incríveis, os lugares lindos, as novas idéias..), a descoberta mais importante que eu fiz foi saber de fato quem eu sou. E que descoberta maravilhosa foi esta! Saber o que eu gosto, o que eu preciso, o que eu de fato sonho. Agora sei que sou o resultado de uma mistura, um ser híbrido formado através das mais diversas culturas e realidades.
Minha janela agora se abre para o mundo. Sei que ainda tenho muito de bom a realizar ,muitas pessoas maravilhosas para conhecer e muito mais de mim para melhorar. E o melhor mesmo é saber que agora tenho toda a disposi ção do mundo e companheiros dos mais diversos lugares para me ajudarem nesta jornada maravilhosa que, certamente, será a minha vida.
Durante as intermináveis 24 horas que passei viajando, fazendo escalas nos mais diversos aeroportos, eu me perguntei as razões que me haviam feito escolher aquela terra tão distante e diferente para passar aquele que deveria ser o melhor ano da minha vida. E a cada milha que o avião avançava, meu cora ção ficava mais apertado e a minha convicção de ter feito a escolha certa diminuia exponencialmente. Talvez eu devesse simplesmente ter escutado todos aqueles que me disseram que era loucura ser uma intercambista no pais das salsichas.
Ao desembarcar, logo encontrei minha família hospedeira. E, para aumentar meu desespero, meus "novos pais" não foram de muitas palavras. No caminho para a casa, enquanto um silêncio constrangedor imperava no carro, meu único desejo era dar meia-volta e pegar o primeiro vôo para o Brasil. Para mim, a Alemanha já estava vista e era realmente tudo aquilo que as pessoas me disseram que seriam. E eu ainda tinha ido parar em uma vila com 1000 habitantes. Logo eu, uma típica cosmopolita, acostumada a tanto barulho e agito, tendo que gastar 20 minutos para chegar na escola.
Falando em escola, inicialmente ela era quase uma tortura pra mim. Ao contrário do que acontece quando um estrangeiro chega ao Brasil, ninguém me encheu de perguntas e atenção. Eu só me questionava como aguentaria passar um ano inteiro vivendo esta realidade, tendo que me levantar quando o professor entra na sala ou sendo obrigada a ficar 8 horas por dia na escola.
Mas os dias começaram a passar na minha nova vida. A base de muitas lágrimas, problemas com o alemão e dificuldades de fazer amigos, comecei a me adaptar a esta minha nova realidade. E, contrariando todas as minhas expectativas, passei a realmente apreciar este ritmo todo diferente de se viver. A minha cidade pacata, a segurança de poder ir ao colégio de bicicleta pelo meio da floresta, a maneira sem pressa com que se vive por aqui, o modo como eles sempre se preocupam com os mínimos detalhes para que tudo seja sempre correto, a tão importante pontualidade alem ã. Comecei a realmente sentir toda esta atmosfera de história e sofrimento, mas também sempre de muita luta e recomeço que o povo alemão emana.
Com a minha família e novos amigos da escola também só precisei de um pouco de tempo para começar a entender e respeitar esta maneira toda particular de demonstrar sentimentos. Por aqui, as palavras tem um peso diferente. Eu sou a típica latina, tenho sangue quente e sempre falo tudo que me vem à cabeça no calor do momento. Já nestas terras germânicas, tudo é mais ponderado, mais medido. Só se fala o que realmente se sente. Talvez seja difícil de compreender no início, mas definitivamente toda esta cautela não é sinônimo de frieza ou insensibilidade. Como é bom ir percebendo pouco a pouco os sentimentos que os alem ães nutrem por mim, seja vendo como minha família sempre repara as comidas que mais gosto para sempre comprar para mim, ou quando uma colega de classe, utilizando um dicionário Alem ão-Português, me escreve um bilhete com: "A gente ser bons amigos".
Quando a gente muda nossa ótica de vista das coisas, tudo se modifica. Simplesmente percebi que tinha todos os motivos do mundo para ser feliz por aqui e só não estava sendo porque havia colocado na minha cabeça que não conseguiria. Então, comecei a apreciar tudo pelo seu lado bom e as coisas come çaram a fluir. A cada conflito do famigerado choque cultural, eu passei a me divertir e não a me envergonhar ou entristecer. Os problemas com o idioma também deixaram de ser motivo de acanhamento e timidez para se tornar uma maneira de pedir ajuda e fazer amigos. Definitivamente a melhor coisa a fazer foi sorrir quando estávamos em um bar e eu fui pedir cerveja para todo mundo e acabei falando errado para o gar çom e as 10 pessoas da mesa tiveram que beber leite.
É lógico que os momentos difíceis ainda acontecem, quando tudo o que eu quero é a minha realidade brasileira. Mas estes instantes de tristeza também são parte fundamental do processo de aperfei çoamento pessoal pelo qual tenho a certeza de que estou passando. Com certeza aquela garota insegura que desembarcou por aqui não será a mesma que retornará ao Brasil. Este ano me fez mais segura de mim, mais crente nas minhas potencialidades e habilidades. Agora eu sei, que se consegui ser feliz em um ambiente que inicialmente me foi t ão inóspito, se consegui transpor os problemas com o idioma e fazer amigos completamente diferentes de mim, eu sou capaz de alcan çar todos os objetivos que traçar para a minha vida.
Meus horizontes agora estão cada vez mais amplos. Durante este ano pude conviver com outros intercambistas dos mais diversos países. E todos eles me ensinaram uma coisa fundamental: as diferen ças, ao contrário de serem motivos para afastamento, são maravilhosos pontos de convergência. Agora eu finalmente consigo entender o que o poeta queria dizer quando falou que todos somos um mas n ão somos os mesmo. O mundo, apesar da sua maravilhosa diversidade, tem na sua constituição básica a mesma fórmula: seres humanos. E somente o diálogo, a tolerância e a ajuda mútua s ão pontes seguras para transpor os abismos oriundos das nossas diferentes origens.
Morar em uma realidade tao distinta da minha me vez perceber o quanto eu ainda posso aperfeiçoar minha própria realidade, ajudou-me a enxergar o quanto meu país precisa que eu trabalhe por ele. Mostrou também que, enquanto eu mantiver sempre as primeiras impressões, eu nunca vou poder conhecer verdadeiramente tudo que as pessoas e os lugares têm para me mostrar. Adoro ler meu diário e ver as idéias iniciais que tive sobre minha cidade, minha família e minha escola. Melhor ainda é ver como estas impressões se modificaram. Sinto um misto de orgulho e alívio por não ter desistido enquanto as coisas não estavam saindo do jeito que eu imaginava.
E agora consegui superar tudo e estou quase indo de volta para casa. Somente quem foi um intercambista pode entender o qu ão paradoxal é este momento de retorno. A gente se divide completamente entre a maravilhosa sensação de rever todos aqueles que s ão a nossa base e a triste idéia de ter que abandonar esta rotina e as rela ções tã o maravilhosas que estabelecemos na nossa pátria hospedeira. Com certeza, ir embora daqui será muito mais difícil do que foi ir embora do Brasil. Porque quando deixei minha família e amigos eu sabia que iria voltar e que todos eles estariam lá, do jeito exato que os deixei: cheio de afeto e sorrisos. Já ao ir embora daqui sei que este tempo não voltará jamais. Mas o importante é o que realmente fica: os dias com a minha família hospedeira, as horas em que falamos sobre como era viver em um país dividido, ou quando meus avós relatam emocionados o peso que é ser contemporâneos de toda a crueldade do nazismo, os piqueniques com meus companheiros de classe. Essas lembran ças maravilhosas levarei comigo para sempre. Quando me perguntam se sou mais feliz aqui ou no Brasil, me sinto impossibilitada de responder a pergunta. São simplesmente realidades diferentes, cada uma com suas particularidades e pequenos prazeres, mas agora as duas já se fundiram e resultaram no que eu sou.
Uma porta enorme de possibilidades se abre para mim daqui para a frente. Sei que minha vida esta apenas começando, e adoro esta idéia. Acho que vou precisar da minha vida inteira para perceber o quanto a Alemanha me ensinou. Aprendi a ser responsável, tolerante, a sempre me expressar e mostrar minhas idéias. Antes de vir para cá era uma pessoa até mesmo um pouco apática e indiferente. Mas agora aprendi a tomar partido, a defender minhas posi ções, a me mostrar. Pode até soar clichê, mas dentro das tantas coisas maravilhosas que conheci (as pessoas incríveis, os lugares lindos, as novas idéias..), a descoberta mais importante que eu fiz foi saber de fato quem eu sou. E que descoberta maravilhosa foi esta! Saber o que eu gosto, o que eu preciso, o que eu de fato sonho. Agora sei que sou o resultado de uma mistura, um ser híbrido formado através das mais diversas culturas e realidades.
Minha janela agora se abre para o mundo. Sei que ainda tenho muito de bom a realizar ,muitas pessoas maravilhosas para conhecer e muito mais de mim para melhorar. E o melhor mesmo é saber que agora tenho toda a disposi ção do mundo e companheiros dos mais diversos lugares para me ajudarem nesta jornada maravilhosa que, certamente, será a minha vida.
Foto: Débora D. C. Sobral
Fotolog: www.fotolog.net/debsa
Este texto não pode ser reproduzido ou traduzido,
em todo ou em parte sem prévia autorização do
portal Brasileiros-na-Alemanha.com e da autora.
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I Concurso LiterárioBrasileiros-na-Alemanha.com |
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1. Lugar
Nane Faganello
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2. Lugar
Simone Horvatin
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3. Lugar
Choque Cultural e desenvolvimento pessoal
Débora Dornelas
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Menção Honrosa
Ilaine Kunz
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Poesias
1. Lugar
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2. Lugar
"Ras Adauto"
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3. Lugar
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